quinta-feira, 17 de março de 2011

Dia 22/12/2010 – Quarta-Feira / BANZEIRANDO – Uma Jornada Teatral pelos Rios da Amazônia / Diário de bordo e terra



Eram 11 horas, debaixo de um sol fortíssimo de dezembro iniciávamos a última intervenção do projeto Banzeirando. O cortejo saiu do espaço do Coletivo Difusão, uma entidade que aglutinou muitos artistas manauaras em prol da cultura do Amazonas cuja sede se localiza a uma quadra do largo São Sebastião em frente ao Teatro Amazonas. Tivemos a participação de artistas da cidade também: Diego Batista, Felipe Fernandes, Sabrina Oliveira, ambos integrantes do grupo de teatro Vitória Régia. Diego e Felipe são também do Núcleo de Artes Cênicas do Coletivo Difusão. Caminhamos até o largo tocando e cantando, parte da equipe segurava as faixas do banzeirando, que estavam localizadas na lateral do barco e também trouxemos a faixa feita pela população de Caiçara.
O largo e o prédio do teatro Amazonas estavam cercados de arquibancadas e passarelas para o mega auto de natal da cidade, mas nada tirou o brilho do nosso encerramento com alegria e empolgação. Com as faixas no chão circulamos tocando em volta destas. Como num ritual de passagem agradecíamos a realização do projeto e todas as vivências que tivemos nestes intensos trinta dias. Como um trailer de filme passou toda jornada pela minha cabeça naqueles instantes. Era o final de mais uma etapa marcante no teatro de rua, no teatro da floresta, no teatro brasileiro!
Após a finalização fomos ao Coletivo Difusão trocar as roupas e depois do almoço pudemos relaxar e caminhar pela agradável cidade de Manaus. Estávamos em outro ritmo, talvez o ribeirinho, mais lento e observador, por isso ríamos quando chegamos à zona franca de Manaus e as pessoas enlouquecidas corriam, gritavam, buzinavam ofertas de natal, um consumo desenfreado e o povo banzeiro ali olhando e rindo de tudo. Estávamos em estado de graça. Chegava o final da tarde e antes de irmos para o barco que no período da tarde seria içado para linha de manutenção do estaleiro, voltamos pro Coletivo. Foi louvável o apoio do Coletivo Difusão nesta fase do projeto. Nos ofereceram o espaço do casarão de dois andares pra colocar materiais e bagagens, foi uma hospitalidade de dar inveja aos hotéis da cidade. Após a partida do pessoal do projeto, o Manjericão ficará dez dias em Manaus realizando intercâmbio com oficina de teatro de rua, debates e apresentações gratuitas pro artistas e interessados. Uma parceria combinada em outubro do ano passado entre o Manjericão e o Coletivo. Agradecemos aos amigos já citados, bem como o Allan, a Michelle, a Lídia, o Clayton, o Caio, o Paulo, a Bia, demais colegas do Coletivo e também os achegados do Circuito Fora do Eixo que tem dado o que falar pelo Brasil.
Combinamos as 19:30 no porto para nos deslocarmos de voadeira até o barco, onde haveria o último jantar, era a despedida e entrega dos certificados de participação. Chegando ao estaleiro lá estava o barco Comandante Nossa Senhora Aparecida na carreira de conserto. Carreira são dois enormes trilhos de madeira robusta que se estendem do fundo da água até os motores nas casas da subida da encosta onde puxam as embarcações com resistentes cabos de aço. O barco estava içado para a terra firme como no filme Fitzcarraldo, citado no diário do dia 07 de dezembro. Parecia uma premonição se concretizando.
Após cumprimentarmos a todos, enquanto o jantar não estava pronto, começamos a arrumar as malas que teriam que ser descidas amarradas em cordas devido a altura do barco fora da água. Para alguns só faltava recolher a rede de dormir e logo estávamos todos conversando e recordando a viagem. Nessas horas bateu uma saudade e ecoava na cabeça a velha máxima de sempre: faríamos tudo de novo se fosse possível! Não demorou pra todos pedirem para O Chicão e O Imaginário realizarem o Banzeirando 2, para outra direção, outros rios, etc. Nos divertíamos quando Pão de Queijo chamou para o jantar, o velho e bom amigo Pão de Queijo que deixará saudades também. Descemos e lá estava a mesa posta, como sempre, só que desta vez com mais requinte. Comemos bastante a grande diversidade de carnes e combinações. Após a comilança, Chicão buscou os certificados e começou a brincar entregando um por um aos participantes, não só os artistas, mas também os membros da tripulação que nos aturaram por intensos trinta dias. Depois mais um pouco de prosa com o comandante Zé Ribeiro e partimos para pernoitar na cidade, pois no barco inclinado e sem água não seria possível.
Retornamos ao cais de voadeira comandada pelo Marcelo e Pão de Queijo que já demonstravam tristeza no olhar pela despedida definitiva. A amizade não tem preço nestes caminhos e convívios fecundos que criamos no norte do Brasil. Nós artistas populares temos uma força, uma energia, um poder de transformação que muitas vezes perdemos a dimensão. Quando um ribeirinho mestre navegador diz que jamais esquecerá esta jornada, pode acreditar ele nunca esquecerá e contará essa história até o fim de seus dias, assim como nós. É nesse desvio do tempo que viramos parte da tradição oral de um povo, de uma região, de um tempo que passou e marcou época.
Muito obrigado aos amigos da tripulação do Comandante: Seu Zé Ribeiro, Dona Branca, Vania Passos e sua filha Jordana, Dona Luisa de Carvalho e sua filha Pâmela, o subcomandante Marcelo Nunes e os marinheiros de convés: Seu Zé Teixeira e Rogério Pena - o Pão de Queijo.
Um agradecimento muito especial, fraternal diria, pois fomos uma família de artistas mambembes, aos companheiros deste Bye Bye Brasil flutuante: Anelise Camargo e Samir Jaime, do Grupo Teatral Manjericão, do Rio Grande do Sul; Chicão Santos, Sidnei Oliveira, Thallisson Lopes, Sidnei Dias, do Grupo O Imaginário de Porto Velho; Tancredo Silva, do Acre; Nivaldo Motta, do Amazonas; Léo Carnevale, do Rio de Janeiro; e o multi artista e professor Claudio Vrena, de Porto Velho.
Que fique registrado aqui o agradecimento de toda Trupe Banzeirando a todas as localidades, comunidades e populações por onde passamos, bem como um agradecimento etéreo a floresta, rios e encantados pela recepção fantástica desses humildes artistas de teatro que na medida possível, com grande esforço, procuraram compartilhar do seu trabalho da sua arte. Até a próxima.
Eis o fim de uma jornada e inicio de outras.
Evoé!
Vamo que vamo!!
Márcio Silveira dos Santos
Grupo Teatral Manjericão

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