quarta-feira, 16 de março de 2011

Dia 18/12/2010 – Sábado / BANZEIRANDO – Uma Jornada Teatral pelos Rios da Amazônia / Diário de bordo e terra



Dia clareou e o barco Comandante Nossa Senhora Aparecida já roncava há horas os motores no Rio Madeira em busca da Cidade de Urucurituba. Durante o percurso de aproximadamente 6h, eu e Anelise conversamos demoradamente com o Sidnei Oliveira e Sidnei Dias sobre a Antropologia teatral, sobre a preparação do trabalho do ator, independente de qual tipo de teatro fará e sobre as pesquisas do Grupo Manjericão e do Grupo O Imaginário. Trocávamos idéias sobre muitas teorias: Presença cênica, ações psicofísicas, transiluminação, corpo sem órgãos, biomecânica, commedia dell’arte, distanciamento, didática da cena, a explosão do espaço cênico (rua), etc, etc. Obviamente muitos caminhos semelhantes e muitas vontades idênticas, tanto na teoria/prática quanto nas dificuldades de manter um trabalho continuado, pois para sobreviver é necessário ter espaço físico e correr atrás de editais, prêmios e eventos cênicos.
Chegamos as 11h em Urucurituba, logo se avistava um cemitério caindo no rio Madeira. A cidade era mais uma que o rio engolia com o passar dos anos e as cruzes ficavam rentes ao barranco que desmorona lentamente. Aportamos numa balsa enorme que servia de estação para os recreios e mercadores, chamada de “Abrigo Municipal João Coutinho”. O incrível era que a balsa de grandes proporções estava amarrada somente por uma corda azul grossa com alguns nós a uma frondosa árvore em cima do barranco de trinta metros de altura, como se fosse um grande laço de fita sobre posto encima de uma grama verdinha. A balsa boiava sobre enormes troncos corroídos pelo tempo e amarrados a ela haviam mais de uma dúzia de barcos incluindo o nosso. Em tempos de enchente se durante o sono de todos um dia o barranco levar a árvore levará também a balsa e as embarcações que nela estiverem amarradas. Impressionante!
Pulamos do barco para conhecer a cidade que a população está abandonando. Fomos descobrir o porquê e logo soubemos por alguns moradores que era devido ao desmoronamento e falta de trabalho. Mas outros disseram que o governo do Amazonas está desenvolvendo a cidade de Urucurituba Nova, junto ao rio Amazonas, que possui ligação por terra a capital Manaus, gerando assim mais oportunidade de empregos e circulação de mercado. Outros que insistem em ficar na cidade citam que na verdade é uma estratégia pra tirar o povo da cidade velha porque haverá a extração de um minério muito valioso, que ainda é pouco conhecido. Aqui se mostra uma situação complexa, os moradores até disseram o nome do minério que realmente é estranho, nunca ouvimos falar, mas que terá grande valor no mercado futuro. Algo que foi descoberto primeiramente via satélite e depois confirmado que o melhor deste minério no mundo todo está exatamente embaixo desta cidade. O governo já estava com um projeto em pauta para estrada de Urucurituba velha. Mas qual será a verdade?
Na caminhada de produção e definição do local das apresentações fomos visitar o cemitério, lá percebemos a presença fortíssima da comunidade judaica, a julgar pelas lápides e ferragens bem trabalhadas em estilo judaico. Depois quando fizemos uma roda de memória no barranco junto a árvore da corda azul, um senhor dos mais antigos por ali, disse ser descendente de judeus que ajudaram a fundar a cidade. Era mais uma comunidade em busca de trabalho e paz. Encontramos também algo raro, havia numa casa estampado no alto da parede da frente um distintivo do time do Grêmio, com mais observação notei dentro da casa que havia na geladeira o maior adesivo que já vi até hoje do Grêmio, do tamanho da porta desta. Fui ver se conversava com o morador, mas não consegui. No mais a cidade era constituída de igrejas das mais diversas religiões, uma agencia de correios, o posto de saúde Santa Verônica que raramente tem atendimento, um mercado de médio porte, muitas crianças e urubus e um clube.
Após o almoço, à base de peixe, conversamos com as crianças da comunidade, alguns haviam almoçado no barco. Léo pegou meus mapas do norte e deu uma aula para elas sobre a itinerância do Banzeirando pelos rios até ali. No meio da tarde chegou um barco de passageiros e mercadorias, em meio a toda movimentação surgiu um menino vendendo bolo de macaxeira, uma delicia, foi nosso café da tarde. Enquanto seu Zé Ribeiro eviscerava e cortava em filés uma grande quantidade de peixes Tigre, de tamanho de um metro cada, ficamos impressionados que os adolescentes, em média de 15 anos, foram os carregadores dos fardos de pacotes de arroz, açúcar, farinha que o recreio trouxe para o mercado. Subiam a escadaria muito alta com fardos de 60 quilos nas costas. Na seqüência Chicão chegou com a definição do local das apresentações do Léo e do Manjericão para a noite, no Centro Social João Soares Ferraz. Começamos a nos preparar no cair da tarde, enquanto os trabalhadores da cidade voltavam com suas voadeiras, quando ficamos prontos já em inicio de noite notava-se umas trinta voadeiras estacionadas junto a balsa.
Chegada a hora, em torno de 19h, Léo começou sua apresentação, depois as 20h foi o Manjericão num calor escaldante. O Centro Social João Soares Ferraz que era constituído de um enorme salão cercado por tabuas altas e algumas lâmpadas comuns. Um detalhe interessante era que tínhamos horário para término devido a uma festa de aniversário ou casamento na casa em frente, pois o barulho e ajuntamento, segundo a moradora da casa e líder comunitária, atrapalhariam a festa que se estendia na rua em frente à mesma. Assim cumprimos e às 21h tudo havia terminado. O curioso da apresentação do Manjericão foi que na cena da mulher barbada, feita pela Anelise, o escolhido para ser o enamorado de Zuleica Peludiskaya, cuja metade do coração ela sempre deixa com este, foi o gremista da casa que mencionei anteriormente, foi muita coincidência. Outro fato curioso, mas de risco dos atores era a quantidade de insetos junto às lâmpadas do salão, mas em especial duas que ficavam exatamente em cima da roda. Tínhamos que ter o cuidado para falar pouco e com projeção de voz comprimida cada vez que estivéssemos embaixo delas, se abríssemos demais a boca era possível engolir insetos e se engasgar, digo isso porque em determinamos momentos no inicio da apresentação aconteceu exatamente isso. Foi uma grande dificuldade.
Ofício cumprido fomos para o barco que logo pela manhã entraríamos no Rio Amazonas finalmente, deixando o Rio Madeira para trás.
Vamo que vamo!!


Márcio Silveira dos Santos
Grupo Teatral Manjericão

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